Se há algo que aprendi ao longo dos anos — e de muitos cronogramas revisados com caneta vermelha e cara de desconfiança — é que existe um vão perigoso entre o que se planeja e o que se executa. À primeira vista, esse espaço parece inofensivo. Mas é nele que caem prazos, previsões e a paciência da equipe.
Esse “vão” me faz lembrar da clássica frase do metrô de Londres: “Mind the gap.” A advertência é simples, mas poderosa: cuidado com o espaço entre o trem e a plataforma. No nosso contexto, o aviso é parecido: cuidado com o espaço entre o cronograma e a realidade da obra.
Todo cronograma carrega, embutido, esse risco invisível — o de parecer sólido enquanto ignora fatores que só se revelam no concreto armado, no barro da fundação ou no vai-e-volta de um licenciamento emperrado.
A validação existe para encarar esse risco de frente.
Planejar é apostar (com responsabilidade)
Gosto de dizer que o planejamento é uma aposta formal. Apostamos em produtividade, em clima favorável, em fornecimento de insumos no prazo. E quando essa aposta é feita com pressa ou com dados frágeis, o cronograma vira um artefato de ficção técnica.
A validação é o processo que busca evitar isso. Ela confronta o que está no papel com o que pode, de fato, ser realizado com os recursos, métodos e restrições envolvidos. É ali que se testa a robustez do cronograma — e, por consequência, a credibilidade do projeto.
O que realmente se valida?
Muita gente ainda acha que validar cronograma é “dar uma olhada nas barras” ou “ver se as datas batem”. Na prática, é uma revisão profunda da coerência entre a estratégia de execução e a forma como ela foi traduzida no tempo.
Isso envolve revisar se a decomposição do escopo está completa, se os vínculos fazem sentido técnico, se as durações respeitam produtividades realistas, se há lógica entre frentes de trabalho e restrições operacionais.
Já vi cronogramas tecnicamente bem formatados — mas que executavam a superestrutura sem liberar a fundação. Bonitos no software, impraticáveis no campo. Alguém já ouviu falar sobre o cronograma “PIV” (para inglês ver)?
Validar significa, por exemplo, revisar SE:
· A Estrutura Analítica do Projeto (EAP) foi corretamente convertida em atividades;
· As produtividades estão ajustadas ao contexto local;
· A lógica de precedência e os vínculos entre atividades são tecnicamente consistentes;
· As restrições contratuais e operacionais foram consideradas e;
· Há integração real com os prazos de suprimentos e mobilização de recursos.
O cronograma só se torna confiável quando é validado em sua base de construção — e não apenas em sua forma de apresentação.
Quando validar?
A primeira validação ocorre logo após o planejamento inicial, ainda com a base aberta para ajustes. Ali se evita que premissas frágeis virem compromissos contratuais.
Mas a validação também tem papel fundamental ao longo da obra, especialmente após marcos relevantes: fundações concluídas, estruturas erguidas, instalações iniciadas. Nessas horas, o cronograma precisa ser recalibrado com base no que já foi aprendido e no que ainda está por vir.
E, claro, na fase final, a validação serve para construir um histórico técnico robusto — essencial para pleitos, encerramentos e lições aprendidas.
Por que ainda é tão negligenciada?
Muitos veem a validação como algo burocrático, um entrave à “agilidade”. Mas o que ela oferece, na verdade, é margem de segurança. Não segurança subjetiva — e sim previsibilidade quantificada, com base técnica.
Ela reduz o risco de decisões erradas, dá mais clareza às equipes, melhora a comunicação com o cliente e aumenta a governabilidade do projeto. Quem já precisou justificar desvios com base em um cronograma que não se sustentava sabe bem do que estou falando.
“Mind the Gap”: o vão entre o planejado e o executado
Volto à imagem do metrô porque ela resume tudo. O aviso “Mind the gap” alerta para um espaço entre o que é firme e o que é risco. Nos projetos, esse “gap” existe entre o que está no cronograma e o que realmente conseguimos entregar.
Se não for monitorado, ele se abre. E quanto maior o vão, maior o custo para atravessá-lo. Equipes paradas, atrasos em cadeia, recursos mal alocados, e — no fim — um ciclo de retrabalho e frustração.
Validar cronogramas é, no fundo, um esforço consciente para reduzir esse vão antes que ele se transforme em um sinistro.
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Esse texto faz parte da newsletter Em Busca da Obra Perfeita — um espaço para refletirmos, juntos, sobre as práticas que tornam projetos mais previsíveis, sustentáveis e bem-sucedidos.
Se você já passou por situações em que um cronograma mal validado comprometeu a sua obra, ou se tem boas práticas para compartilhar, quero ler seu comentário com sua experiência. Comente, complemente, questione — a troca de conhecimento qualificada é sempre o melhor caminho para evoluirmos na Engenharia.
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Nos vemos no próximo texto e, até lá, mind the gap!



